domingo, 22 de junho de 2008

Artigo: Lamentável, por Marcos Rolim*

Há determinados fatos ou passagens, às vezes detalhes ou palavras, que nos oferecem sínteses de um período histórico. São momentos luminosos ou aterradores esses, porque revelam mais do que estamos dispostos a reconhecer. Na semana que passou, o novo modo de governar o RS exonerou Cézar Augusto Herrmann do cargo que exercia, como motorista, porque veio a público o fato de ele ter cumprido pena privativa de liberdade. Assim, a Sra. Yeda Crusius estabeleceu nova pena - desta vez extrajudicial, sinalizando claramente qual a posição do Palácio Piratini a respeito da atitude a ser tomada diante de ex-presidiários. A mensagem, claríssima, é: não se deve acolhê-los, ou permitir que trabalhem legalmente. As circunstâncias pretéritas do demitido e sua ficha criminal foram tomadas como o equivalente a uma sentença perpétua, um estigma que deverá acompanhá-lo para sempre como as marcas feitas a ferro em brasa nos traidores, nos escravos fugitivos ou nos criminosos em algumas das civilizações antigas. Não conheço o cidadão, nunca o vi, e nada tenho a falar em seu favor. Sei, apenas, que cumpriu sua condenação e que trabalhava como motorista. Do ponto de vista do interesse público, e na ausência de qualquer denúncia a respeito de atividades ilícitas presentes, importaria tão-somente saber se era bom motorista. Ninguém perguntou, nem se pretendeu saber. Cezar Augusto foi demitido para que não se maculasse a imagem do governo (o que não deixa de ser irônico), para que não se repetisse que o gabinete da governadora é freqüentado por ex-delinqüentes.

Ofereceu-se sua cabeça em uma bandeja, porque não há uma só pessoa no palácio capaz de vir a público e dizer: "Sim, o referido servidor cumpriu pena e nada deve à sociedade e nosso governo se orgulha de tratar as pessoas como pessoas e não como factóides".

Trata-se, penso, de uma síntese aterradora também porque a "denúncia" partiu de um parlamentar do PT. Conheço Marcon e respeito sua história política e pessoal.Ao telefone, me disse que não pediu a exoneração do servidor e que apenas mencionou o fato para tentar demonstrar o que seria um descritério de um governo que anuncia rigor contra o crime etc. É possível que o deputado petista tenha pago um preço pelo improviso e que a menção infeliz não tivesse a intenção de reproduzir um preconceito. O gesto político, entretanto, termina sempre tendo o sentido com o qual é compreendido na esfera pública. O que o agente pretendia fazer, por isso mesmo, é completamente secundário diante daquilo que efetivamente fez. Se a denúncia não for criteriosa, sempre melhor é não fazê-la. O movimento político aberto por Marcon poderia ter sido desmoralizado pela governadora a partir da simples lembrança dos preceitos constitucionais e da luta pelos direitos humanos. Para sorte dele e do PT, o resultado foi outro, mas apenas porque lidam com Yeda Crusius e com um governo no qual, com as exceções conhecidas, os patetas batem cabeça e se gravam. No mais, não houve quem em nome do PT viesse a público para dizer: "O fato de alguém ter cumprido pena não lhe retira qualquer direito, nem pode ser usado contra o governo que o emprega como argumento político". O silêncio aqui é mais do que constrangedor e equivale, como de costume, à cumplicidade.

Lamentável. O que se espera, de qualquer modo, é que a decisão seja revista; não em nome da política, mas da civilização que desejamos construir.

*Jornalista


Zero Hora.

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