quinta-feira, 19 de junho de 2008

Artigo: As marchas e contra-marchas da política mundial de drogas

O ano de 2008 é um marco histórico para a revisão da Política Mundial de Drogas. Todos sabemos que, quando falamos sobre políticas públicas relacionadas à questão das drogas, vemo-nos obrigados a praticamente refletir a respeito do proibicionismo-punitivo que, patrocinado no plano internacional pelos Estados Unidos da América — que, por sua vez, detém a hegemonia no concerto internacional das nações —, não encontrava nenhum contraponto ao seu modelo, que se traduz na chamada “guerra às drogas”.

A Organização das Nações Unidas assumiu integralmente o modelo estadunidense. Contudo, a própria ONU estabeleceu, em sua última revisão (UNGASS/1998), que o objetivo a atingir seria o de “um mundo livre de drogas” (ilícitas, claro!) até o ano de 2008. Pois bem, ao atingirmos o marco resolutivo e, frente ao evidente fracasso da proposta, fica a questão: qual a política que queremos a partir de 2008?

Um dos maiores especialistas europeus em direito da droga afirma que, por mais paradoxal que possa parecer, “a proibição é um grande aliado do tráfico, e que a economia da droga é dinamizada pela proibição”.(1)

Com efeito, a política proibicionista-punitiva fracassou em todas as suas metas e, o que é pior, causou efeitos perversos, deletérios, com a sua implementação. Assim é que, na saúde pública provocou: i) ausência de controle da toxicidade e adulteração das substâncias consumidas, o que gera os maiores riscos à saúde dos consumidores; ii) o alto nível de contágio do vírus HIV e outras doenças entre usuários de drogas lançados na marginalidade; iii) a dificuldade de implementação de políticas de redução de danos aos dependentes inseridos na ilegalidade e oposição aos modelos mais atuais de ajuda às pessoas que usam drogas; iv) o contínuo enfrentamento do sistema penal pelos usuários dessas substâncias, mesmo à margem da lei, o que tornam essas pessoas mais refratárias a procurar qualquer tipo de ajuda, quando necessária; v) aumento no número de mortes em decorrência das disputas e da repressão ao tráfico de drogas.(2)

No sistema jurídico-constitucional citam-se: vi) o reforço excessivo do sistema policial em detrimento do sistema judicial; vii) a utilização de meios penais e processuais extraordinários, violadores de princípios e garantias constitucionais; viii) as medidas de exceção destinadas ao grande tráfico são aplicadas aos pequenos e médios traficante-usuários, que lotam as penitenciárias; ix) desumanização das penas e do sistema penitenciário; x) superlotação carcerária.

Numa perspectiva sócio-econômica podem ser ainda adicionados: xi) aumento da vigilância, controle e violência imposta a amplas camadas da população de baixa renda, que são suspeitos de tráfico, até prova em contrário; xii) favorecimento do envolvimento de jovens com o crime, desagregação familiar; xiii) incremento do tráfico de armas; xiv) incremento das possibilidades de lavagem de dinheiro; xv) a alta dos preços derivada da ilegalidade torna cada vez mais poderosas as organizações de traficantes; xvi) aumento da corrupção nos poderes públicos e na polícia, em especial nos países em desenvolvimento; xvii) aumento da violência e do número de homicídios nos grandes centros urbanos.

Talvez, a única contribuição positiva do modelo proibicionista seja a comprovação empírica de que não há como se inibir o uso e a venda de drogas mediante o controle penal, quando a sociedade não quer e não aceita esse controle; além de ter ensinado que um modelo uniforme de controle não tem condições de prosperar, diante da diversidade das características culturais, econômicas e sociais dos diversos países.

Nesse quadro devemos garantir que a reflexão se dê num ambiente pluralista, favorável ao livre e desassombrado trânsito das idéias. É preciso, portanto, nesse momento da história, incentivar, ampliar e garantir o debate e o livre fluxo das informações e opiniões para que seja assegurada uma ampla consulta aos diversos setores e atores sociais que se apresentem ao debate. Por outro lado, é necessário fomentar, apoiar, financiar e garantir a pesquisa acadêmica para que a formulação das políticas públicas seja baseada em critérios mais científicos e laicos, o que emprestará maior racionalidade ao modelo alternativo à atual política de drogas.

A política mundial de drogas, por seus multifacetados aspectos e por seus reflexos geopolíticos, se torna hoje um paradigma na construção de um mundo globalizado: resta saber se pretendemos continuar a ter como referência global o Estado Democrático de Direito ou se, pelo contrário, caminhamos para a implantação de um Estado policialesco-punitivo, um totalitarismo penal em escala mundial. Estamos numa encruzilhada da história: ingressaremos numa nova Idade das Trevas ou numa Idade da Razão!?

Notas

(1) CABALLERO, Francis; BISIOU, Yann. “La prohibition ça ne Marche pas”. Droit de la Drogue. Paris: Dalloz, 2000, p. 103.

(2) Aqui se mencionam os pontos indicados por DE LA CUESTA, Jose Luis. “Legislación europea occidental sobre drogas”, Doctrina Penal: Teoria y Práctica en las Ciencias Penales, pp. 453-454, com algumas outras inclusões que entendemos per­ti­nentes.


Por: Alberto Silva Franco, Boletim IBCCRIM nº 187 - Junho / 2008.

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