terça-feira, 24 de junho de 2008

Artigo: Artigo: Tratamento constitucional à instituição do júri

O tribunal do júri foi instituído efetivamente no Brasil pela lei de 18 de junho de 1822, com a missão de julgar os crimes de imprensa. Com a justificativa de que as leis antigas a respeito da imposição da pena eram muito duras e impróprias, o Príncipe Regente D. Pedro, por aviso de 28 de agosto de 1822, ordenou que os Juízes de Direito criminais baseassem suas decisões na Constituição portuguesa, de 10 de março de 1821, até que, em 25 de março de 1824, a primeira Constituição brasileira foi promulgada. (NUCCI, 1999, p. 36).

A Constituição de 1824 disciplinou a instituição do júri no Título 6º - Do Poder Judicial-, no capítulo que tratava do Poder Judiciário, tendo ampliado sua competência para julgar causas criminais e cíveis. O seu artigo 151 preceituava que: “o Poder Judicial é independente e será composto de juízes e jurados, os quais terão lugar assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo que os Códigos determinarem”. A Constituição também definiu, no seu artigo 152, a função dos jurados e juízes da seguinte forma: “os jurados pronunciam sobre o fato e os juízes aplicam a lei”. (MARQUES, 1997, p. 38).

Mais tarde, a Lei de 20 de setembro de 1830, que tratava sobre o abuso da liberdade de imprensa, criou o júri de acusação e o júri de julgamento. O primeiro era responsável por julgar a admissibilidade da acusação. O conselho ouvia a acusação, defesa e testemunhas, se fosse o caso, e se reunia a portas fechadas para decidir, por maioria absoluta, a viabilidade da acusação. Após, reunia-se o júri de julgamento e, ouvindo-se as alegações das partes e analisando as provas colhidas, respondiam aos quesitos formulados pelo juiz de direito e decidiam por maioria absoluta a culpa do réu.

Em 1832, o Código de Processo Penal, imitando as leis inglesas, norte-americanas e francesas, ampliou demasiadamente a competência do júri, superando inclusive o grau de desenvolvimento da sociedade que se constituía. Com essa nova dinâmica da legislação, a atividade do juiz de direito restringiu-se a presidir as sessões do júri, orientar os jurados e aplicar a pena, ganhando dessa maneira os contornos que o tribunal do júri possuía nos países da common law. Esta ampliação, contudo, foi restringida rapidamente com o surgimento da Lei n. 261, editada em 3 de dezembro de 1841, e do Regulamento n. 120, de 31 de janeiro de 1842, que alteraram profundamente a dinâmica do júri, extinguindo de início o júri de acusação, e passando a instrução criminal ser de responsabilidade dos delegados e juízes municipais.

Outra derrocada sofreu o júri com o advento da Lei n. 562, de 2 de julho de 1850, regulamentada pelo Decreto n. 707, de 9 de outubro, que atribuiu aos magistrados a competência para o julgamento dos crimes de moeda falsa, roubo, homicídio nos municípios da fronteira do Império, resistência e tirada de presos, além da bancarrota.

Mas, em 1871, ocorreu nova reforma processual que trouxe significativas alterações para a instituição do júri. Com efeito, a Lei n. 2.033, de 20 de setembro de 1871, ampliou novamente a competência do júri, cessando as limitações impostas pela Lei n. 562, de 7 de julho de 1850.

Com a proclamação da república, a instituição do júri foi mantida no Brasil. Em 11 de outubro de 1890, foi promulgado o Decreto n. 848, que organizou o funcionamento da justiça federal e instituiu o júri federal. A Lei n. 515, de 3 de novembro de 1898, retirou da competência do júri federal alguns crimes. Em 27 de dezembro de 1923, o Decreto n. 4.780 restringiu outra vez a atividade do júri. (MARQUES, 1997, p. 46-47).

Sob a égide da Constituição Republicana, de 24 de fevereiro de 1891, o júri, além de ser mantido, passou a integrar a Seção II, do Título IV, que tratava da “declaração de direitos”. Esta foi a primeira manifestação legislativa que alçava a instituição ao status de direito ou garantia individual. Embora considerado lacônico, o texto do artigo 72, parágrafo 31, preceituava: “é mantida a instituição do jury”.

Diante da singela menção ao júri, houve diversas discussões acerca da interpretação que se deveria dar ao texto legal. Entendeu Rui Barbosa que a intenção da Constituição foi manter os elementos substanciais do júri tal qual no regime anterior. Para Duarte de Azevedo, o júri deveria ser mantido de acordo com a organização legislativa que possuía, ao menos em seus aspectos essenciais. João Mendes, por sua vez, defendeu que os caracteres essenciais do júri deveriam ser preservados nos Estados, mas segundo as leis então em vigor. Segundo Pedro Lessa, modificar a instituição do júri em sua essência é o mesmo que não mantê-la. Por fim, Carlos Maximiliano sustentava acertadamente que a expressão manter não significa impor o status quo, sendo certo que o constituinte quis preservar a essência da instituição. (MARQUES apud BARBOSA, 1997, p. 48). Para por fim a tão divergentes interpretações, o Supremo Tribunal Federal, em acórdão de 7 de outubro de 1899, manifestou-se, fixando as características do júri: a) composição por jurados qualificados periodicamente pelas autoridades designadas por lei; b) conselho de julgamento composto de certo número de juízes, escolhidos à sorte; c) incomunicabilidade dos jurados com pessoas estranhas ao Conselho; d) alegações e provas da acusação e defesa produzidas publicamente perante ele; e) julgamento segundo a consciência; f) irresponsabilidade pelo voto. (MARQUES, 1997, p. 49).

A Constituição de 16 de julho de 1934 voltou a inserir o tribunal do júri no Capítulo que tratava do Poder Judiciário, passando assim da esfera da cidadania para a órbita do Estado. O artigo 72 preceituava: “é mantida a instituição do jury, com a organização e as atribuições que lhe der a lei”. Com tal ampliação nos dizeres do texto legal, a Assembléia Constituinte confiou ao critério do legislador infraconstitucional a disciplina da organização e a enumeração das atribuições do júri. Pode-se dizer, com isso, que o legislador constitucional sinalizou a necessidade da modernização da instituição, levando-se em conta os novos ensinamentos da ciência penal e a defesa dos interesses sociais.

O júri no Brasil sofreu duro golpe com a edição da Constituição do Estado Novo de 1937, que silenciou em seu texto a existência do júri popular. Diante da inexistência de previsão constitucional, a primeira reação foi no sentido de que o júri havia sido extinto no país, no entanto tal opinião foi logo repelida com a promulgação, em 5 de janeiro de 1938, do Decreto-lei n. 167, que regulou a instituição, demonstrando explicitamente sua existência. Além da regulamentação legal por meio do decreto, colocando uma pá de cal na discussão, o Ministro Francisco Campos, na Exposição de Motivos que acompanhava o diploma legal, ainda afirmou a subsistência do tribunal popular por estar compreendido no preceito genérico do artigo 183, da Carta de 10 de novembro, que declarava estar em vigor as leis que, explícita ou implicitamente, não contrariassem as disposições da Constituição.

Superada a discussão acerca da existência da instituição, deve-se se atentar para as modificações trazidas pelo Decreto-lei 167. Com efeito, há quem diga que o Decreto-lei regulando o júri, nada mais fez do que o abolir de fato, pois alterou significativamente sua substância, restringindo, em seu artigo 3º, sua competência para apenas os crimes de homicídio, infanticídio, induzimento ou auxílio a suicídio, duelo com resultado de morte ou lesão seguida de morte, roubo seguido de morte e sua forma tentada. Alteração mais profunda, contudo, foi a subtração da chamada soberania dos veredictos. O Decreto-lei, no seu artigo 92, letra b, criou a possibilidade da apelação sobre o mérito, quando houvesse “injustiça da decisão, por sua completa divergência com as provas existentes nos autos ou produzidas em plenário”. Assim, a decisão dos jurados poderia ser alterada pelo juiz de direito. A apelação era apreciada pelo Tribunal de Apelação, que analisava livremente as provas produzidas no sumário de culpa e no plenário de julgamento, decidindo ao final pela absolvição do acusado ou fixando nova pena.

Após uma Constituição produzida sob a égide de um Estado totalitário e imposta à nação pelo Presidente da República, em 16 de setembro de 1946, a Constituição de 1946 surgiu em meio ao retorno da democracia. A Assembléia Constituinte tinha como objetivo restabelecer aquilo que o totalitarismo havia suprimido. Assim, essa Constituição não poderia deixar um dos símbolos da democracia de fora e trouxe novamente o júri previsto no Capítulo II, que tratava dos direitos e das garantias individuais. O seu artigo 141, parágrafo 28, estabeleceu : “é mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, contanto que seja ímpar o número dos seus membros e estejam garantidos o sigilo das votações, a plenitude de defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”. O constituinte de 1946 tomou por base para a elaboração da carta constitucional, o sistema democrático de 1891 e 1934, aproveitando o que se revelou importante, na prática, das legislações anteriores e alterando os dispositivos ineptos. Vale ressaltar que pela primeira vez se falava em número ímpar de jurados e na garantia do sigilo das votações.

O Decreto-lei n. 167 de 1938 foi a primeira lei nacional de matéria processual penal do Brasil republicano. Esse diploma não só instituiu o júri, omitido pela Constituição de 1937, como também disciplinou o seu procedimento, e regulou a sua organização e composição, sendo considerado a base legal da instituição. Após a entrada em vigor da Carta de 1946, o júri sofreu novamente alterações em seus elementos estruturais, pois o texto constitucional trouxe expresso os seus caracteres essenciais e a sua competência mínima ratione materiae, fato que exigiu, por parte da classe política, uma regulamentação complementar. Desse modo, em 3 de outubro de 1946, foi apresentado aos senadores um projeto de lei regulamentando o júri, que foi sancionado sob o n. 263, em 23 de fevereiro de 1948, pelo Presidente da República.

Em 24 de janeiro de 1967, sob as influências do regime militar, foi promulgada a Constituição de 1967, que também manteve o tribunal do júri inserido no capítulo dos direitos e garantias individuais. O seu artigo 150, parágrafo 8º, dispunha que eram “mantidas a instituição do júri e a soberania do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida”. Da redação do artigo, nota-se que o legislador de 1967 suprimiu garantias anteriormente previstas para a instituição e restringiu sua competência para apenas o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, isto quer dizer que, enquanto o constituinte republicano de 1946 estabeleceu a competência mínima para o tribunal popular, a Carta Magna de 1967 limitou constitucionalmente essa competência.

O texto constitucional de 1967, todavia, não permaneceu alheio a mudanças, pois a Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, deu nova redação a alguns de seus dispositivos e, embora tenha mantido o tribunal do júri inserido no capítulo dos direitos e garantias individuais, modificou a redação do artigo 153, parágrafo 8º, suprimindo a referência a sua soberania .

No auge da repressão política e diante da supressão da soberania do júri imposta por uma emenda constitucional estabelecida pela Junta Militar, iniciaram-se, uma vez mais, debates acerca da possibilidade da reforma da decisão dos jurados pelo tribunal. Vários projetos foram propostos nesse sentido, entretanto a doutrina e jurisprudência não alteraram seu posicionamento no sentido da permanência da soberania dos veredictos, tendo em vista a vigência do Código de Processo Penal e, pela lei processual, o máximo que o Tribunal Superior poderia fazer perante uma decisão injusta era remeter o caso a novo julgamento em plenário.

Depois de encerrado o período do regime militar, que durou de 1964 a 1985, foi promulgada, em 5 de outubro de 1988, a Constituição de 1988. Nos moldes da Assembléia de 1946, o constituinte de 1988 procurou restaurar tudo aquilo que havia sido suprimido pela Constituição de 1967, principalmente pela Emenda n.1 de 1969. Assim, a Carta Magna de 1988 voltou a dar ao júri status de garantia dos direitos individuas e coletivos, recuperando, inclusive, a sua soberania. O constituinte, dessa maneira, deixou claro ao legislador infraconstitucional que a instituição do júri era soberana, isto é, possuía independência absoluta, sem qualquer submissão, de modo que este não poderia suprimi-la por meio de processo legislativo inferior.

A doutrina nacional nunca soube explicar ao certo a razão do surgimento do tribunal do júri no Brasil, tampouco sustentar a sua permanência no sistema normativo por quase dois séculos. Nesse contexto, contudo, merece destaque o fato de que, no decorrer dos anos, o instituto sofreu diversas e consideráveis baixas, mas sobreviveu e continua presente na Constituição vigente, recebendo tratamento de direito e garantia individual.

O Brasil herdou, simultaneamente, a instituição do júri, sob os mesmos contornos democráticos que reinavam na Europa, e o sistema de direito codificado, sendo este responsável pelo fato da primeira constituição ser escrita. No decorrer dos anos, foram promulgadas outras constituições no Brasil, até que, em 05 de outubro de 1988, foi instituída a Constituição vigente.

O tribunal do júri esteve presente em quase todas as Constituições brasileiras com grande prestígio. Na atual Carta Magna, o tribunal do júri vem disposto no Título II, que trata dos direitos e garantias fundamentais, dentro do Capítulo I, que dispõe sobre os direitos e deveres individuais e coletivos. Encontra-se tipificado no artigo 5º, inciso XXXVIII, recebendo a glória de direito e garantia individual e sendo considerado cláusula pétrea. A Constituição-cidadã deu ao júri grande destaque, pois além de mantê-lo vigente no ordenamento jurídico, eliminou a possibilidade de qualquer investida do legislador ordinário para suprimir o instituto.

Ao disciplinar o júri no Título II, o legislador deu a ele status de direito e garantia individual, isto é, incluiu o instituto dentre as mais importantes normas do ordenamento jurídico brasileiro. Assim, estabeleceu que sua observância deve ser obrigatória, imperativa para o Estado que pretenda ser democrático e de direito.

A importância de ser considerado direito e garantia fundamental e estar inserido no artigo 5º é tamanha que o legislador, no artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, da Constituição, considerou todos os direitos previstos no Título II, cláusula pétrea, de modo que não poderão ser suprimidos da Lei Fundamental por meio de emenda constitucional. Dessa forma, a instituição do júri somente deixará de existir constitucionalmente se for promulgada uma nova constituição e esta abolir o instituto.

Por outro lado, uma discussão efervescente na doutrina é quanto à natureza constitucional da instituição do júri, sendo que alguns o apontam como direito e outros como garantia fundamental. Quem defende essa distinção, alega que os direitos são disposições meramente declaratórias, que se concretizam sozinhas, independente de aplicação, pois são legalmente reconhecidos. Já as garantias são disposições fundamentalmente assecuratórias, que têm a finalidade de proteger os direitos.

Assim, diante das diferenças enunciadas, conclui-se que o tribunal do júri é primordialmente uma garantia, pois visa proteger, ainda que indiretamente, o direito à liberdade. E, em segundo plano, é um direito, porque, como ensina Guilherme de Souza Nucci. (1999, p. 55), “pode ser visto como um direito do cidadão de participação na administração da justiça do país”, ou seja, subsiste na ordem jurídica mesmo sem a efetiva utilização.

Demonstrando mais uma vez que o júri é um aliado na construção da democracia, o constituinte de 1988, além de considerá-lo um direito e garantia individual e protegê-lo de qualquer supressão, também estabeleceu garantias específicas para o instituto. Assim, dispõe o texto constitucional:

Art. 5º, inciso XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a)a plenitude da defesa;
b)o sigilo das votações;
c)a soberania do veredicto;
d)a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Analisando o teor do inciso XXXVIII, percebe-se que o legislador trouxe nas alíneas a, b, c e d, princípios que regem o tribunal popular, de modo que tais garantias devem ser obedecidas, sob pena de se violar o devido processo legal e desrespeitar preceito estabelecido na lei fundamental e suprema do Estado.

Na alínea a do referido artigo, foi assegurada ao tribunal do júri, a plenitude da defesa e, embora esta disposição esteja dentro do princípio maior da ampla defesa, o legislador não foi redundante ao estabelecer esse princípio, pois com isso ele vislumbrou a necessidade do exercício de uma defesa plena, ou seja, tanto a autodefesa, quanto a defesa técnica, devem ser exercidas no seu grau máximo, de maneira absoluta, sob pena de ser dissolvido o Conselho de Sentença.

Ademais, deve-se dar ao réu o direito de se defender de maneira robusta das acusações constante nos autos. Nesse diapasão, a essência do princípio é garantir, ao réu, igualdade de condições frente aos argumentos da acusação em seu desfavor, ou seja, realizar o julgamento com lealdade, dando as mesmas oportunidades para o membro do Ministério Público e para o defensor apresentarem suas teses, que determinarão o convencimento dos jurados.

Além disso, por essa garantia, entende-se que a escolha dos jurados deve ser imparcial, não se admitindo privilégios em razão de classe social. Por conseqüência, a lista anual deverá ser feita de acordo com o merecimento do cidadão, conforme determina a legislação processual.

A segunda garantia é o sigilo das votações. Por este princípio entende-se que a livre manifestação do pensamento dos jurados é primordialmente resguardada. Essa garantia resulta do fato de que os jurados devem, conscientes da responsabilidade social dos seus papéis, ser imunes às interferências externas para proferirem o seu veredicto.

Nesse sentido, a convicção e a opinião dos jurados devem ser preservadas das influências externas a fim de se garantir um julgamento justo e imparcial, embasado na segurança e no maior grau de certeza possível para a busca da verdade real, cabendo ao legislador infraconstitucional a criação de mecanismos de proteção aos juízes leigos, evitando frustrar o Mandamento Fundamental.

A não observância desse princípio pode implicar em uma atuação desidiosa e, talvez, injusta por parte do Conselho de Sentença, já que ele deve lidar com a sensação de medo, que é inerente ao ser humano, desprovido de qualquer auxílio estatal. Atuar exercitando um direito que lhe é conferido pela Constituição favorece uma votação embasada na segurança e com probabilidade reduzida de erro na realização da justiça no caso concreto.

Outro ponto primordial é o papel desempenhado pelo Juiz-Presidente do Tribunal do Júri, que deve ser marcado pela vigilância e pelo "estado de atenção permanente", a fim de conter qualquer forma de interferência no momento das votações, assegurando-lhes o devido sigilo.

A Constituição ainda estabeleceu como uma das liberdades públicas e garantia para o júri, a soberania dos veredictos, isto é, previu que os jurados são os únicos competentes para decidir o mérito e que a sua decisão é soberana. No entanto, esta soberania não elimina a possibilidade de recurso por parte do réu quando entender que a decisão dos jurados é manifestamente contrária às provas dos autos. O simples fato de recorrer, por sua vez, não macula a soberania do veredicto, pois, sendo provido o recurso, devolve ao Tribunal do Júri a missão de analisar novamente os fatos e tomar nova decisão, que poderá manter o veredicto anteriormente dado ou alterá-lo.

A soberania dos veredictos, porém, é condição absolutamente necessária para que o júri exista em sua integralidade, não podendo furtar dos jurados a competência para a decisão de alguns delitos, sob pena de nulidade do julgamento. A condição de soberana da decisão não prejudica de forma alguma o julgamento ou atenta contra a liberdade do acusado, pois se deve considerar o fato de que muitas vezes o formalismo da lei não acompanha a situação fática e a vontade do povo, correndo neste caso o risco de se obter decisões legais, mas dissociadas do contexto social, prejudicando de maneira imensurável a sociedade como um todo.

Por fim, a alínea d do citado dispositivo legal tutelou o direito primordial do ser humano, isto é, a vida. Neste dispositivo, estabeleceu-se a competência para julgamento dos crimes atentatórios contra a vida humana, depositando nas mãos do tribunal popular o dever de julgar os acusados da prática de crimes dolosos contra a vida consumados ou tentados.

Os crimes dolosos contra a vida são aqueles previstos no Capítulo I- Dos Crimes contra a Vida-, do Título I- Dos Crimes contra a Pessoa-, da Parte Especial do Código Penal, ou seja, abrangem as várias formas de homicídio, o induzimento, a instigação ou auxílio a suicídio, o infanticídio e as várias modalidades de aborto, todos na forma consumada ou tentada.

Embora possam existir situações em que o resultado seja morte, por exemplo no caso de latrocínio, ela não é abarcada pela competência do júri, pois prevalece o entendimento de que a competência do instituto é para o julgamento dos crimes cuja finalidade precípua é atentar contra a vida e não uma situação em que, subjetivamente, voltou-se contra o patrimônio e o evento morte se deu como um resultado além da intenção ou vontade do agente. O evento morte, neste caso, não é um típico delito contra a vida, pois acaba ocorrendo por situações alheias a vontade do agente, de sorte que seria uma impropriedade levar a júri um caso em que a morte decorreu de culpa do agente, quando o texto constitucional fala expressamente em “crimes dolosos contra a vida”. Ademais, os crimes julgados pelo júri são aqueles que causam repúdio social, considerados frios e perversamente praticados, os quais revelam a personalidade maléfica e anti-social de seu autor.

O constituinte, todavia, ao estabelecer a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida não esgotou os limites de integração da instituição democrática de participação popular no sistema judiciário. Em linhas gerias, estabeleceu-se a competência mínima para o júri, de modo que o legislador infraconstitucional poderá ampliar o campo de atuação por meio de lei ordinária. O que a Constituição almejou ao estabelecer essa garantia foi, indiscutivelmente, garantir a permanência da instituição no cenário jurídico nacional, evitando assim qualquer ação no sentido de suprimi-la.

A possibilidade de ampliação da competência do júri também não tem limite, sendo possível delegar aos jurados a missão de julgar qualquer crime, tais como os crimes contra a economia popular e os previsto no Código de Defesa do Consumidor, os crimes de sonegação fiscal e corrupção, crimes contra o meio ambiente, crimes patrimoniais cujo resultado seja morte, crimes contra a liberdade sexual cujo resultado seja morte, dente outros, já que essa ampliação e a conveniência da delegação fica a cargo do legislador ordinário.

Bibliografia
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Por Marisa Lazara de Góes, Bacharel em direito pelo Centro Universitário Toledo.

GÓES, Marisa Lazara de. Tratamento constitucional à instituição do júri. Disponível na internet www.ibccrim.org.br 24.06.2008.

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