segunda-feira, 26 de maio de 2008

Um ano e 10 mil crimes impunes

No ano passado, 16,9% dos inquéritos concluídos ficaram sem definição do criminoso. Para especialistas, é isso que traz a sensação de impunidade.


Há quem diga que o Brasil teve uma aula de investigação com o caso da menina Isabella Nardoni, jogada do sexto andar de um prédio em São Paulo no dia 29 de março. A população pôde acompanhar ao vivo pela televisão a reconstituição do crime, o trabalho da perícia e as hipóteses levantadas. “Seria o sangue de Isabella o encontrado no apartamento?” “Qual objeto foi usado contra a menina?” “O crime levou quanto tempo?” Perguntas que a polícia buscou responder. Dessa forma, o inquérito policial foi encerrado apontando os acusados, que serão julgados pela Justiça.

Longe dos holofotes, porém, crimes continuam sem solução. No Paraná, por exemplo, em 10,9 mil crimes não foram definidos os autores, em 2007. Do total de inquéritos concluídos no estado no ano passado, 16,9% ficaram sem definição do criminoso, segundo dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp).

Para especialistas, o número, que deveria ser zero, preocupa e traz conseqüências, como a sensação de impunidade. “A falta de responsabilização do autor do crime estimula ainda mais o crescimento da criminalidade”, aponta o advogado criminal e doutor em Direito Penal pela Universidade Federal do Paraná, Juliano Breda.

Para ele, o aumento do número de inquéritos demonstra o acréscimo do fenômeno delitivo. Na comparação de 2006 com 2007, o número de inquéritos instaurados passou de 46,3 mil para 57,5 mil – aumento de 24,6%. “Enquanto as estatísticas do Ministério da Justiça apontam uma redução da criminalidade em alguns estados, especialmente em São Paulo, o Paraná vive um momento dramático de insegurança social”, diz o advogado.

Causas

De acordo com Breda, não se pode culpar exclusivamente a polícia na indefinição de autoria de um crime. “O inquérito policial é um procedimento de certa complexidade e o sucesso de uma investigação depende, sobretudo, da infra-estrutura oferecida aos órgãos policiais.”

Um investigador da região metropolitana de Curitiba conta que enfrenta essa dificuldade. Ele diz que não vai ao local do crime porque não há policiais suficientes. Num plantão da delegacia, só há um investigador, que tem de cuidar da carceragem, registrar Boletim de Ocorrência, cuidar do patrimônio da delegacia, levar presos para a audiência, entre outras atividades. “A gente consegue obter êxito quando imediatamente fica a par e não deixa esfriar.”

A promotora de Justiça Cynthia Maria de Almeida Pierri, da Promotoria de Inquéritos Policiais de Curitiba, verifica que muitos inquéritos poderiam ser melhor investigados. “Falta pegar o inquérito e terminar. Coisas se perdem com o tempo. Acabam ficando no trâmite Ministério Público e delegacia”, diz. O trâmite acontece porque é o MP que, a partir das informações do inquérito, pode oferecer denúncia e dar início à ação penal ou promover arquivamento. Segundo ela, são feitos mais arquivamentos do que oferecidas denúncias, o que deixa a maior parte dos crimes impune.

Instauração

Nem todas as ocorrências policiais viram inquéritos. Na Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos, por exemplo, um Boletim de Ocorrência (BO) não necessariamente transforma-se em inquérito. “Todos os BOs que são instaurados já dão início à investigação, não necessariamente ao inquérito. Na hora que tem algum indício, alguma pista, prova, que possa te levar a descobrir autoria, aí sim é instaurado inquérito”, explica o delegado titular da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículo, Itiro Hasshitani.

O professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Maurilúcio Alves de Souza, verifica que o Estado não tem condições de instaurar inquérito para todos os crimes. “O Estado não garante o direito da vítima porque não tem condições para tal.” Para ele, no meio de muitas ocorrências que não se transformam em inquéritos, o caso Isabella poderia ser mais um crime em São Paulo. “Depois que tomou toda repercussão, eles (peritos) foram (ao local). Há dificuldade no Brasil em relação à investigação criminal”, conclui.

O escritório de advocacia Professor René Dotti adotou há dois anos uma ação inédita, segundo o sócio Beno Brandão: reunir documentos para levá-los diretamente ao Ministério Público (MP), sem a instauração de inquérito. “A gente faz tudo que é possível para não levar processo à autoridade policial. O normal seria pedir instauração do inquérito e esperar.” Segundo Brandão, estão sendo obtidos bons resultados.


Gazeta do Povo.

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