quarta-feira, 7 de maio de 2008

Entrevista - Tim Cahill

“A situação das mulheres nas periferias é catastrófica, elas são vítimas invisíveis da violência criminal e policial que assola suas comunidades.” A afirmação é de Tim Cahill, autor do relatório “Por trás do silêncio: experiências de mulheres com a violência urbana no Brasil” da Anistia Internacional. Lançado em abril, o relatório alerta para o efeito da violência urbana sobre as mulheres moradoras de comunidades de baixa renda, que passa despercebido pelos dados oficiais.



“As mulheres acabam sendo atingidas de três formas, carregam um triplo fardo. Por um lado sofrem a violência do tráfico e a violência policial. De outro, sofrem com a falta de acesso a serviços do Estado. Por fim, acabam sendo culpabilizadas por não ter mantido a estrutura familiar.”



Segundo o pesquisador, que se dedica à defesa dos direitos humanos, ainda é cedo para julgar a Lei Maria da Penha (sancionada em agosto de 2006, triplicou a pena para agressões domésticas contra mulheres e aumentou os mecanismos de proteção das vítimas), mas que ainda há tempo de aproveitar o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) para atender às demandas das mulheres. “Onde está o Estado? Esperamos que o Pronasci não seja uma promessa vazia,” disse Cahill.



Nessa entrevista com o pesquisador e chefe da Anistia Internacional no Brasil, Tim Cahill explica em português fluente e apaixonado, que a questão não é criticar, é pedir ação.



Porque a Anistia lançou esse relatório sobre o efeito da violência urbana sobre as mulheres?



Esse relatório procura revelar uma realidade que elas próprias não reconhecem, de como a violência urbana é uma questão que transcende a experiência pessoal e individual, e se reflete nelas como coletividade, como mulheres.



Elas não se vêem como vítimas da violência urbana?



Elas não se entendem como mulheres e vítimas, se sentem apenas vítimas. Isso é importante também porque nos dados que temos acerca de outras vítimas da violência urbana, como os jovens negros, deixamos de ver o sofrimento das mulheres e de dar atenção para o impacto da violência urbana sobre elas.



Existem estudos e dados sobre o impacto da violência sobre a mulher?



Há mais e mais estudos, o estudo de Coimbra, Cesec e Viva Rio sobre mulheres e violência armada ("Rostos invisíveis da violência armada"), o do MV Bill sobre mulheres no tráfico, e conhecemos outras pessoas trabalhando neste tema, há cada vez mais pesquisas sobre mulheres encarceradas.



O conhecimento em relação à violência contra a mulher tem chegado ao governo?



O governo tem avançado na questão da violência doméstica, mas entender o impacto da violência urbana sobre a mulher pede avanços. É claro que é uma questão complexa quando pensamos no longo prazo, mas há ações que podem ser tomadas imediatamente. O Pronasci, por exemplo pode incorporar algumas destas ações.



Que tipo de ações?



Uma delas é revisitar, no sentido de reanalisar, as delegacias da mulher. O projeto em si foi um passo positivo mas as delegacias não atendem às mulheres vítimas da violência, seja por falta de recursos, por falta de interesse, ou por falta de entendimento de seus problemas. Muitas vezes até por certa descriminação. Outra questão, por exemplo, é a dos abrigos para acolher mulheres que sofreram violência. Elas nos disseram repetidamente que querem mais abrigos.



Já a interação das mulheres com a segurança pública...



Certamente, por exemplo, o modo como a polícia atende às mulheres precisa ser revisto. Há questões que precisam ser pensadas de forma mais ampla, mais em longo prazo. As mulheres “mulas”, as que são usadas por traficantes. As mulheres forçadas a entrar no tráfico por falta de emprego, de creches.



Você mencionou que as mulheres criticaram o projeto Mães da Paz previsto no Pronasci?



Durante a elaboração do relatório ouvimos muitas críticas de mulheres e mães com relação ao projeto Mães da Paz do Pronasci, porque, segundo elas, se sentiram ainda mais pressionadas. O projeto não oferece proteção para elas, por exemplo. Sem querer negar o papel que elas têm em promover a paz, não cabe a elas ter todas as responsabilidades em relação à segurança.



E o que é essa pressão?



As mulheres acabam sendo atingidas de três formas, carregam um triplo fardo: por um lado sofrem a violência do tráfico e a violência policial. De outro, sofrem com a falta de acesso a serviços do Estado. Por fim, acabam sendo culpabilizadas por não ter conseguido manter a estrutura familiar.



Mudou a participação da mulher na violência urbana?



É uma realidade que há mais mulheres entrando para o tráfico e por isso para o sistema carcerário também, mas falta conhecimento em geral sobre isso, conhecimento publico, em nível político.



A mulher é vista como vítima indireta da violência armada? Como o senhor vê isso?



Elas são vítimas diretas e indiretas, são vítimas de bala perdida, de ação policial, de tortura e abusos por parte de criminosos, então não é o caso que sejam apenas vítimas indiretas. Elas também são parentes de pessoas que morreram, e carecem de acesso à Justiça. Elas são vítimas indiretas também porque, por exemplo, não têm acesso ao acompanhamento pré-natal, porque organizações criminosas as impedem de chegar a um centro médico.



Mas elas também são, cada vez mais, agressoras...



Há mais e mais mulheres entrando para o tráfico, inclusive aquelas que entram por opção, porque não têm auto-respeito e procuraram uma fonte de estatus, de glamur, de orgulho. Uma moça entrevistada admitiu que quando se arrumava e ia para o baile funk com uma arma na mão, isso dava muita satisfação.



Isso nos relembra que há a necessidade de se criar projetos para os jovens nestas comunidades, que não é apenas uma questão de pobreza, mas de auto-estima, de empregos...



E sobre a lei Maria da Penha?



Nós acreditamos que ainda é muito cedo para comentar a lei Maria da Penha, que é uma grande vitória e um grande avanço na questão da mulher. A lei é ampla, complexa, detalhada, mas ainda é muito cedo para criticar a aplicação da lei. Recebemos, mesmo assim, vários comentários.



Por exemplo...



Principalmente que a estrutura que existe para assegurar a aplicação da lei é precária. A implementação da lei passa pelo Judiciário e pela polícia. Notamos que, por exemplo, havia delegadas totalmente contrárias à lei Maria da Penha, (porque achavam que seguir o que está escrito dá muito trabalho), juízas contrarias à lei. Uma juíza em três meses julgou três mil casos, isso mostra a demanda que já existe para esse tipo de lei. E como o corpo de magistrados pode atender a tanta demanda?



Mesmo assim, vimos que, dentro da realidade de recursos limitados, as pessoas estão trabalhando da melhor maneira possível. A questão é identificar como a segurança pública está causando impacto na vida das mulheres vítimas de violência doméstica.



Então é uma questão de política pública?



Nós acreditamos que as recomendações se encaixam em uma campanha maior, de uma reforma maior da estrutura de segurança pública. Esperamos ver se o Pronasci vai ser uma resposta séria, baseada em princípios de direitos humanos, ou uma promessa vazia nessa área. Claramente acreditamos que a questão da necessidade de políticas para a proteção da mulher se encaixa na necessidade de segurança para essas comunidades.



E com relação à violência policial?



Esperamos que nosso relatório não seja visto como uma crítica à violência policial. Dedicamos um capítulo inteiro à violência cometida pelos criminosos. Não efendemos bandidos, mas criticamos a negligência que deixou essa criminalidade crescer. Queremos uma polícia melhor, em melhores condições de trabalho. Os que falam contra a polícia não entendem que a política de confronto no Rio praticada pela polícia de confiscar armas e matar bandidos não dá segurança para ninguém, e só gera distanciamento do Estado.



O que o senhor acha de uma pesquisa de opinião pública que dizia que a maioria de moradores de comunidades era a favor do "caveirão" (blindado utilizado pela PM em incursões nas favelas)?



As pessoas que moram em grandes comunidades querem respostas imediatas para a violência, não tenho dúvida, mas nenhuma violência tem dado resultados nessas comunidades.



Comunidade Segura.

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