quarta-feira, 7 de maio de 2008

Artigo - Segurança Pública e Exclusão

Mais de um ano depois dos ataques do PCC em São Paulo, as políticas de segurança pública voltaram a ser tema de discussão.

Desta vez, o artigo de autoria do apresentador de televisão Luciano Huck — publicado pelo jornal Folha de S.Paulo — e a exibição, em circuito nacional, do filme de José Padilha, “Tropa de Elite”, motivaram os debates que ganharam corpo em diversos meios sociais, para além da comunidade acadêmica e dos operadores do Direito.

O sucesso generalizado do filme, sintetizado na aclamação do protagonista “Capitão Nascimento”, evidencia, mais uma vez, a lógica perversa que fomenta determinadas “políticas” em matéria de segurança.

“Capitão Nascimento”, em pouco tempo, foi alçado à categoria de herói nacional. Não à toa. Há muito, disseminou-se, no corpo social, a crença de que a única resposta eficaz à criminalidade e à violência é o emprego da força pelo Estado – preferencialmente a força bruta, que extermina o inimigo.

Na base da larga aceitação de práticas de violência estatal encontra-se o desmantelamento da noção de cidadania, o qual alimenta o ciclo vicioso da criminalidade. Age-se como se as causas da violência fossem completamente alheias a fatores sociais e de responsabilidade coletiva; reclama-se, assim, por segregação e violência como formas de combate ao inimigo — como se não fora ele parte do todo — e, como resultado do aumento da exclusão social, cresce a violência.

Conforme observou com propriedade José Eduardo Faria em artigo publicado na edição nº 164 deste Boletim, “ao corroer os mecanismos de formação de identidades coletivas, a exclusão social propicia uma cultura de desagregação, a banalização da violência e a sobreposição do privado ao público. (...) Em contextos como esse, não há um mínimo de integração social que permita à ordem jurídica ser universalmente acatada e a sociedade aparece não apenas como imprevisível mas hostil”.

Muito já se discutiu, neste espaço, acerca de respostas adequadas à criminalidade; sobre políticas de segurança pública, assinalando-se sempre que o recrudescimento do sistema tem função exclusivamente simbólica, pois, ao invés de reduzir a massa de excluídos, apenas a incrementa.

No último mês de agosto, o governo federal lançou o “Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania” (Pronasci), desenvolvido pelo Ministério da Justiça como uma iniciativa inovadora no combate à criminalidade. Em teoria, a proposta consiste na articulação de políticas de segurança pública com ações sociais que têm por objetivo atacar as causas e não apenas as conseqüências da violência, proporcionando o resgate da cidadania nas comunidades.

Para o programa, o governo federal destinou 6,7 bilhões de reais, estimando que os resultados dessa política de segurança pública pudessem ser observados no exíguo prazo de quatro anos.

Em que pese o aparente caráter inovador do Pronasci, conforme divulga artigo de autoria dos membros da Comissão de Justiça e Segurança do IBCCrim, publicado nesta edição do Boletim, dos 6,7 bilhões de reais em recursos destinados ao programa, 3,5 bilhões são previstos para a construção de presídios e para o aparelhamento das forças de segurança, em contraste com os 300 milhões de reais a serem investidos em inteligência policial e o 1,6 bilhão destinado às ações sociais de prevenção.

Os números são alarmantes porque refletem, mesmo no âmbito de um projeto teoricamente voltado para o resgate da cidadania, o coroamento da velha lógica da exclusão. Na prática, o que se poderá esperar do Pronasci, em vista dos vultosos investimentos destinado à repressão, parece ser o oposto daquilo que o governo federal anuncia — isto é, o aumento da segregação, em detrimento de políticas que privilegiem a intervenção mínima do Direito Penal.

Enquanto prevalecer, nos mais diversos níveis, a idéia de que a violência não é um problema coletivo, senão do inimigo a ser exterminado do convívio social, inexistirá programa de segurança pública eficaz ou verba suficiente para o aparelhamento das forças de segurança ou para a construção de estabelecimentos prisionais. O que se fará, apenas, é acirrar o que hoje se identifica como uma verdadeira “guerra civil”.


Alberto Silva Franco, Boletim IBCCRIM nº 180 - Novembro / 2007 .

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