domingo, 6 de abril de 2008

Vaidade feminina inclusive na carceragem

“É preciso ser duro, mas sem perder a ternura, jamais.” A frase eternizada por Ernesto Che Guevara parece embalar a rotina das 25 presas que dividem a carceragem da delegacia do município de Quatro Barras, na Região Metropolitana de Curitiba. As grades podem privá-las da liberdade, mas não impedem que a vaidade entre e tome conta do lugar. Para estas mulheres, o Dia Internacional da Mulher não é comemorado apenas hoje, mas todas as quintas-feiras, quando estão “impecáveis” para receber a visita das pessoas que mais amam.

O xadrez, composto por quatro celas e uma pequena cozinha, transforma-se em um verdadeiro salão de beleza, principalmente na quarta-feira, dia que antecede a visita. O cuidado com a aparência contagia todas as presas, que têm entre 19 e 56 anos. A ajuda é mutua e tem até quem ganhe dinheiro com isso. Andressa Fustinone, 19 anos, que está detida por receptação, é manicure profissional e a responsável pelos pés e mãos das colegas. Ela cobra R$ 5 reais pelo serviço e com o dinheiro compra seus produtos. “Começo a fazer as unhas na segunda, para dar tempo de todas ficarem prontas para as visitas. Os preferidos são os esmaltes clarinhos”, conta ela.

Na quarta-feira, a maratona começa cedo. Maria Rosângela, 31, detida por tráfico, é a “garota da chapinha”. É ela quem alisa a cabeleira das meninas, e o trabalho vai até a madrugada. “Às vezes trabalho até as 6h da manhã, pois se é muito cacheado demora até duas horas para alisar. Mas é gostoso, a gente se diverte e o tempo passa”, diz.

Mudar as cores das madeixas também não é empecilho para elas. Outra presa, de 41 anos, que também está detida por tráfico, é quem faz as luzes e mechas. “Os parentes trazem a tinta e o papel alumínio. Estou aqui há apenas um mês e por enquanto não cobro nada. Depois que sair a matéria no jornal e eu ficar famosa vou ter que mudar isso, né?”, brinca.

E para manter a forma, à noite as meninas se exercitam. “Ligamos o rádio e dançamos funk, rap e techno. O espaço é apertado, mas a gente se diverte muito”, conta Tatiana Alves,19, uma das mais jovens detentas.

Para as presas, o importante é estar com auto-estima e mostrar para os parentes que estão bem. “Nós temos que nos gostar e achar sempre que somos as melhores mulheres do mundo. Adoro me arrumar e sou supervaidosa”, conta outra detenta, de 56 anos, que preferiu não se identificar.

Intimidade

Ao contrário dos presos, que contam com a lealdade das mulheres, as presas geralmente são abandonadas pelo companheiro depois que vão para a cadeia. Mas isso não impede que elas invistam até na compra de roupas bem sensuais. “Não tenho namorado, mas compro lingerie do mesmo jeito. Faço isso por mim, não pelos outros. Depois que entrei aqui larguei das drogas e redescobri o que é ser mulher”, conta Cristina Galo, 32, exibindo orgulhosa a calcinha preta, fio dental, ainda com etiqueta.

Boa convivência na carceragem

A carceragem da Delegacia de Quatro Barras abriga mulheres que cometeram crimes em municípios da Região Metropolitana de Curitiba. Elas permanecem ali até que se abra uma vaga no sistema penitenciário. Enquanto isso, a estada delas precisa ser a mais agradável possível e para isso algumas regras são cumpridas, principalmente no tocante à organização e limpeza. Louça usada é lavada na hora.

As camas são arrumadas até as 9h e cinzeiros precisam ser sempre limpos, assim como banheiros e pisos. Por conta disso, apesar da pouca ventilação, as celas não têm o cheiro típico das que são ocupadas por homens. Pelo contrário, é até possível sentir o aroma dos perfumes e hidratantes corporais.

As regras foram criadas pelas próprias presas, mas têm o controle de outra mulher muito importante neste contexto, a delegacia Margareth Alferes Motta. Ela garante que o respeito pelas presas é um dos fatores que mantêm a ordem dentro da carceragem. “Apesar dos crimes que cometeram, elas são seres humanos e estão sob nossa responsabilidade.

Nós acabamos nos envolvendo com a história de cada uma, e sempre falo para os policiais que a partir do momento que elas entram aqui, nossa missão é cuidar bem delas”, conta Margereth.

A religiosidade também tem espaço cativo entre elas. A bíblia é lida por muitas e duas vezes por semana elas recebem a vista de um grupo de evangélicos. “Além de fazer o culto, o grupo se concentra em estudos bíblicos e alguns debates que fazem elas refletirem muito”, conta a delegada.

Estatísticas

De acordo com a delegada, a maioria das mulheres está detida por tráfico de drogas e são garotas jovens. A realidade da delegacia de Quatro Barras segue as estatísticas nacionais. De acordo com dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen), do Ministério da Justiça, relativos a junho de 2007 - os mais atualizados disponíveis, a maioria das mulheres presas tem entre 18 e 24 anos (17,6%), seguidas pelas que têm entre 25 e 29 anos (16,1%), 35 a 45 anos (13,4%) e 30 a 34 anos (12,5%). Dentre os crimes cometidos por mulheres, em primeiro lugar está o tráfico de drogas, que representa 30,2% dos delitos, seguido por roubo qualificado, com 4,8%.


O Estado do Paraná, 06/04/2008.

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