quarta-feira, 30 de abril de 2008

''Não consigo mais viver de outro jeito''





Na vida na rua, perda de valores é comum.

O que há de pior em viver nas ruas? Luiz Leonel de Lima, de 45 anos, olha para o nada por 30 segundos, coça a barba, a cabeça e diz: "O pior... O pior é a chuva." Morador de albergues e praças do centro de São Paulo desde 2003, após passar por Belo Horizonte (MG), Vitória (ES), Salvador (BA) e Campo Grande (MS), ele vê a vida em termos práticos. "Já acostumei. Não sei mais viver de outro jeito."

A desesperança de Leonel, segundo assistentes sociais, é comum entre pessoas que vivem na rua. "Eles geralmente chegam sadios às ruas. Mas, pouco tempo depois, ficam psicologicamente alterados, perdem todos os valores e referências", afirma a coordenadora da Central de Atendimento Permanente de Emergência da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo, Renata Ferreira. Em São Paulo, segundo a secretaria, há cerca de 13 mil pessoas nas ruas. A última pesquisa sobre o perfil deles foi feita em 2006 pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), com 631 entrevistados. Diferentemente da pesquisa do Ministério do Desenvolvimento Social, só foram ouvidos moradores dos albergues.

Há algumas conclusões semelhantes entre os estudos. Entre os entrevistados, 25% tinham ensino médio incompleto, 5% tinham superior incompleto e 2% completaram curso superior. Entre os que declararam possuir fonte de renda, 69% trabalhavam no setor informal e 5% tinham carteira assinada.

Leonel esteve nas duas estatísticas. Teve carteira assinada, em 1986, como auxiliar de servente de pedreiro em Jaú, interior de São Paulo. Mas não deixou de viver nas ruas. Um ano depois, perdeu o emprego e não voltou ao setor formal. "Vivo de bicos. Na semana passada consegui um bico em uma construção. Ganhei R$ 45 em dois dias. Vai dar para pagar o Bom Prato (refeição subsidiada pelo governo, a R$ 1) até a semana que vem", diz, começando a se despedir. Ele levanta uma sacola plástica amarela. Dentro, um guarda-chuva rosa-choque, que encontrou na rua. "Vai chover. Não dá para se desprevenir."


Estadão, 30/04/2008.

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