terça-feira, 15 de abril de 2008

Estado tem de indenizar vítima baleada em asssalto

A responsabilidade do Estado por falhas na segurança pública começa a ser reconhecida pela Justiça brasileira. Nesta segunda-feira (14/4), o plenário do Supremo Tribunal Federal, com apenas seis de seus 11 ministros, decidiu, para uma situação singular, que o estado de Pernambuco deve ser responsabilizado por deficiência na segurança pública e arcar com os custos médicos do jovem Marcos José Silva de Oliveira, que ficou tetraplégico depois de ser baleado em um assalto.

Por cinco votos a um, os ministros garantiram ao jovem o direito de ser operado às custas do governo de Pernambuco, por um especialista da Universidade de Yale, dos Estados Unidos, por não existir no Brasil nenhum cirurgião capaz de instalar um marca-passo diafragmático para que a vítima volte a respirar naturalmente, sem a ajuda de aparelhos.

Vencida a ministra Ellen Gracie, relatora do caso, os demais ministros votaram na linha do ministro Celso de Mello, que abriu a divergência com voto oral contundente e apaixonado em defesa do direito do cidadão à segurança pública e obtenção, por parte do poder público, de meios e recursos necessários que tornem efetivo o direito à vida.

“O direito à saúde e à vida é um direito básico e essencial, que a Constituição Federal reconhece a qualquer pessoa, e também impõe correlatamente essa obrigação ao Poder Público federal, estadual e municipal”, disse o ministro. Celso de Mello chegou a dizer que algumas vezes, principalmente nos grandes centros urbanos, a segurança pública é uma ficção. Os ministros Eros Grau, Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Marco Aurélio acompanharam seu voto.

De acordo com o ministro Celso de Mello, o estado de Pernambuco transgrediu sua obrigação constitucional de prover a segurança pública em favor dos cidadãos, especialmente na região norte da capital, onde é conhecido e notório o índice elevado de criminalidade violenta. “Não tem sentido que haja uma proclamação constitucional meramente retórica. Proclamações constitucionais não podem ser declarações inconseqüentes do Poder Público. É preciso dar sentido, é preciso conferir real efetividade a essas normas meramente programáticas”, ressaltou o ministro.

Os ministros chegaram a atentar para o fato de não se abrir precedentes perigosos com o julgamento do processo, mas acompanharam Celso de Mello pela especificidade do caso – Marcos José está entre a vida e a morte. “Provavelmente, neste momento, milhões de pessoas estejam em situações tão ou mais delicadas, em relação às omissões do Estado, em todo o país”, observou o ministro Cezar Peluso. Todos os ministros destacaram a “excepcionalidade do caso concreto”.

“Essa é uma decisão que vale para essa situação extremamente singular. Mas nós consideramos os diversos princípios constitucionais envolvidos. (...) E também o postulado da dignidade da pessoa humana, que o Tribunal agora começa talvez uma jurisprudência ainda incipiente, a extrair um outro princípio, que é o direito à busca da felicidade”, concluiu Celso de Mello.

O caso

Trabalhador durante o dia e estudante universitário de noite, Marcos José, então com 25 anos de idade, foi baleado em assalto no ano passado. A bala destruiu duas vértebras de sua coluna cervical, causando lesão medular completa, ou seja, o jovem ficou tetraplégico e, ainda, dependente de respirador mecânico.

Internado na UTI do Hospital Português, no Recife, ele só poderia deixar o hospital caso recebesse, por um implante, um determinado marca-passo (diafragmático), que lhe daria autonomia respiratória. Contudo não há no país tanto o equipamento necessário, quanto o médico capaz do implante cirúrgico. O custo estimado de tal solução foi estimado em 100 mil dólares.

A ação proposta pela vítima do assalto contra o estado teve êxito na primeira e segunda instância no estado de Pernambuco. Monocraticamente, em março deste ano, a ministra Ellen Gracie suspendeu a tutela antecipada concedida ao estudante contra o estado. Na decisão, a ministra determinou que a defesa do paciente providenciasse documentos que comprovassem a inviabilidade de tratamento alternativo fornecido pelo Sistema Único de Saúde, além da inexistência de médico no país habilitado a implantar o marca-passo prescrito. A defesa de Marcos José entrou então com agravo levado a julgamento no plenário nesta segunda-feira e julgado procedente.

STA 223

Revista Consultor Jurídico, 14 de abril de 2008

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