quarta-feira, 16 de abril de 2008

Defesa de cenas - Exibição de filmes em Júri de médico gera polêmica

Começou nesta terça-feira (15/4) o júri do médico Farah Jorge Farah, acusado de homicídio duplamente qualificado, ocultação e vilipêndio de cadáver. Ele foi denunciado pelo Ministério Público por matar e esquartejar a dona de casa Maria do Carmo Alves, sua amante, na noite de 24 de janeiro de 2003.

O júri, presidido pelo juiz Rogério de Toledo Pierri, do 2º Tribunal do Júri de São Paulo (Fórum de Santana), já começou com uma questão polêmica. Os advogados do médico, liderados pelo criminalista Roberto Podval, solicitaram ao juízo que seja exibido durante o julgamento os filmes Tomates Verdes Fritos e Atração Fatal. Os filmes contam histórias de crimes cometidos em legítima defesa e obsessão.

O pedido foi aceito, mas o Ministério Público fez ressalvas. De acordo com o promotor Alexandre Marcos Pereira, a exibição caracteriza “grave violação dos direitos autorais”. O juiz Toledo Pierri despachou em sentido contrário. Para ele, o que se pretende garantir é o direito de defesa — direito este muito maior do que qualquer previsão da Lei de Direitos Autorais.

A ressalva que a Lei 9.610/98 (Lei dos Direitos Autorais) faz sobre a exibição de filmes em juízo está prevista no artigo 46, inciso VII. Segundo a norma, “não constitui ofensa aos direitos autorais: a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores”.

Para a advogada Sônia Maria D´Elboux, especialista em Direitos Autorais, a manobra da defesa tem amparo na lei de direitos autorais. “Para fins de prova judicial, a autorização está prevista em lei”, diz. Segundo ela, o que precisa ficar claro é se o filme servirá como prova ou para exemplificar uma situação. “Tudo dependerá da sistemática do Júri, mas a pretensão tem amparo legal”, afirma.

Procurado pela reportagem da revista Consultor Jurídico, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) — órgão responsável pela a arrecadação e distribuição dos direitos autorais das obras musicais — explicou que a autorização para a exibição cabe à editora do filme. O Ecad cobra apenas os direitos sobre as obras musicais, se forem exibidos trechos com trilha sonora.

Para Manoel Pereira dos Santos, presidente da Associação Brasileira de Direito Autoral (ABDA), o filme serve como elemento de prova, assim não pode se alegar violação dos direitos autorais, como disse o promotor de Justiça. “Essa é uma questão ainda pouco discutida, mas merece toda a atenção. Não existe sequer jurisprudência sobre o assunto”, diz.

Outro júri que contou com exibição de filme foi o do estudante de medicina Mateus da Costa Meira, condenado a 120 anos e seis meses de reclusão por matar três pessoas, tentar matar outras quatro, que ficaram feridas, e colocar em risco a vida de outras 15 pessoas em uma sala de cinema do Morumbi Shopping (zona sul de São Paulo), em 1999. A sentença foi anunciada em 6 de junho de 2004. O estudante invadiu a sala do cinema quando passava o filme Clube da Luta. Cenas do longa-metragem foram passadas para os jurados durante o júri.

O crime

O júri do médico Farah Jorge Farah, que agora estuda Direito na Unip, começou com o depoimento do acusado. Ele afirmou que agiu em legítima defesa porque a mulher o atacou com uma faca e o perseguia há mais de cinco anos. “Ela [Maria do Carmo] me atacou com uma faca. Me defendi com minha bengala. Eu a empurrei e ela bateu a cabeça na parede. Eu surtei, excelência (se referindo ao juiz), e não lembro o que aconteceu”, disse.

Farah diz que não recorda de nada que aconteceu, apenas de ter se “atracado” com Maria do Carmo. O réu disse que ficou “em transe” até o domingo (o crime ocorreu em uma sexta-feira). “A gente se atracou, eu consegui tirar a faca da mão dela. Como eu fiz a seqüência dos fatos, eu não sei”. Farah disse que conhecia Maria do Carmo desde 1997, quando ela o procurou para fazer uma cirurgia de retirada de uma pinta da perna.

De acordo com a denúncia, para evitar o reconhecimento do corpo, o médico desfigurou a vítima. O Ministério Público sustenta que ele removeu cirurgicamente parte dos tecidos do rosto e das plantas das mãos e dos pés. O corpo foi esquartejado, colocado em sacos de lixo e escondido no porta-malas do carro do médico.

Entre as acusações havia, ainda, a de fraude processual porque o acusado limpou sua clínica para se livrar dos vestígios de sangue no local. Mas o Supremo Tribunal Federal determinou que fosse retirada da pronúncia a última acusação.

O entendimento da maioria dos ministros da 2ª Turma do STF foi o de que “é impróprio atribuir ao paciente em concurso a prática dos delitos de ocultação de cadáver e de fraude processual penal sob pena de risco de bis in idem (duas vezes a mesma coisa)”. Como o julgamento desta questão terminou empatado, o resultado favoreceu o cirurgião plástico.

Desde 31 de maio do ano passado, Farah está em liberdade também por decisão da 2ª Turma do STF. O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, considerou que não estavam mais presentes os fundamentos que justificaram sua prisão cautelar, como garantia da ordem pública, da aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal.

Revista Consultor Jurídico, 15 de abril de 2008

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