terça-feira, 29 de abril de 2008

Artigo - Princípio da Reserva Legal

Warley Belo

Advogado Criminalista em Belo Horizonte / MG

Mestre em Ciências Penais / UFMG

Membro da Comissão para Assuntos Penitenciários da OAB/MG

Professor de Graduação e Pós-graduação



O princípio da reserva legal não é sinônimo do princípio da legalidade, senão espécie. “A doutrina não raro confunde ou não distingue suficientemente o princípio da legalidade e o da reserva de lei. O primeiro significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador. O segundo consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de se fazer necessariamente por lei formal” [1].

Ao princípio da reserva legal, a Constituição exige conteúdo específico. Ao princípio da legalidade, a Constituição outorga poder amplo e geral sobre qualquer espécie de relação. “Tem-se, pois, reserva de lei, quando uma norma constitucional atribui determinada matéria exclusivamente à lei formal (ou a atos equiparados, na interpretação firmada na praxe), subtraindo-a, com isso, à disciplina de outras fontes, àquela subordinadas” .[2]

O artigo 5.o, II, CF prevê que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Trata-se de lei em sentido amplo, ou seja, qualquer ato normativo editado pelo Poder Legislativo (Constituição; leis complementares; leis ordinárias; resoluções) ou, excepcionalmente, pelo Poder Executivo (medidas provisórias e leis delegadas). Aqui temos a salva-guarda do amplo princípio da legalidade.

Já o princípio da reserva (lex populi) é mais restrito. Refere-se especificamente à emenda, lei complementar, etc. para regular determinado assunto. “Se todos os comportamentos humanos estão sujeitos ao princípio da legalidade, somente alguns estão submetidos ao da reserva da lei. Este é, portanto, de menor abrangência, mas de maior densidade ou conteúdo, visto exigir o tratamento de matéria exclusivamente pelo Legislativo, sem participação normativa do Executivo.”[3]

Até bem pouco tempo atrás, a Parte Especial do nosso atual Código Penal e a Lei de Contravenções Penais alcançavam vigência como decreto-lei. Seria comparativamente, hoje, aceitar a modificação maléfica ou criação de crimes por medida provisória[4] ou lei delegada.

Quando a Carta, em seu artigo 5.o, XXXIX estabelece que não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, estamos diante de uma matéria reservada à lei formal. Somente a União, privativamente, através de seu Poder Legislativo, poderá discipliná-la (art. 22, I, CF). “A garantia da lex populi exige que, em matéria penal incriminadora, a lei respectiva siga estritamente o procedimento legislativo constitucional da lei ordinária.”[5] Fica vedada a interferência dos Estados-Membros ou Municípios, assim como a ingerência do Executivo ou Judiciário, na criação de crimes e penas[6].

[1] Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros, 2006, p. 422. Sobre a exigência de lei formal em Direito penal cf. Prado, Luiz Régis. Curso de Direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: RT, 1999, p. 90; Bitencourt, Cezar Roberto. Manual de Direito penal, 5ª. Ed. São Paulo: RT, 1999, p. 40.

[2] Starck, Christian. Lezioni di diritto constituzionale, v. II, t. I, p.52, citado por Silva, José Afonso da. Op. cit., p. 422.

[3] Moraes, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1.o a 5.o da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003 (Coleção temas jurídicos; 3).

[4] Ver art. 62, §1º., I, b, CF/88.

[5] Gomes, Luiz Flávio; Molina, Antonio García-Pablos de. Direito Penal: Parte Geral, vol. 2. SP: RT, 2007, p. 59.

[6] Crime de responsabilidade – Definição – Reserva de lei – Entenda-se que a definição de crimes de responsabilidade, imputáveis embora às autoridades estaduais, é matéria de Direito Penal, da competência privativa da União – como tem prevalecido no Tribunal – ou, ao contrário, que sendo matéria de responsabilidade política de mandatários locais, sobre ela possa legislar o Estado-membro – como sustentam autores de tomo - , o certo é que estão todos acordes em tratar-se de questão submetida à reserva de lei formal, não podendo ser versada em decreto-legislativo da Assembléia Legislativa. (STF – Plenário – Rel. Sepúlveda Pertence – ADIn 834-0 – j. 18.02.1999 – DJU 09.04.1999, p. 2).

ADI 3259 / PA – PARÁ AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDA DE Relator(a): Min. EROS GRAU Julgamento: 16/11/2005 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: DJ 24-02-2006 PP-00005 VOL-02222-01 PP-00157AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDA DE. LEI N. 6.570/03 DO ESTADO DO PARÁ. SERVIÇOS DE LOTERIAS. REGRAS DE EXPLORAÇÃO. SISTEMAS DE CONSÓRCIOS E SORTEIOS E DIREITO PENAL. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE A MATÉRIA. INCONSTITUCIONALIDA DE. 1. Ao mencionar "sorteios" o texto da Constituição do Brasil está aludir ao conceito de loteria. Precedente. 2. Lei estadual que disponha sobre espécies de sorteios usurpa competência exclusiva da União. 3. Flagrante incompatibilidade entre a lei paraense e o preceito veiculado pelo artigo 22, inciso X, da CB/88. 4. A exploração de loterias constitui ilícito penal. A isenção à regra que define a ilicitude penal da exploração da atividade vinculada às loterias também consubstancia matéria de Direito Penal. Compete privativamente à União legislar sobre Direito Penal --- artigo 22, inciso I, CB/88. 5. Pedido de declaração de inconstitucionalida de procedente.

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