domingo, 27 de abril de 2008

Artigo - Imunidade e democracia, por Marcos Rolim*

Ao que consta, a governadora Yeda Crusius (PSDB) irá processar o deputado Fabiano Pereira (PT), por conta de pronunciamento realizado pelo parlamentar no qual teria colocado em dúvida a lisura da aquisição da casa onde reside a titular do Poder Executivo. O tema merece discussão e o que há de mais importante nele parece não ter sido sublinhado. Ocorre que deputados e senadores não podem ser processados por suas palavras e votos.

Por mais inconveniente que seja aquilo que digam, por mais desagradável ou equivocado ou mesmo ofensivo que seja uma declaração de um parlamentar, nossa Constituição lhe assegura o direito de afirmá-la publicamente. Ao contrário do que se pensa, tal direito não constitui privilégio, mas prerrogativa do mandato. Em outras palavras: trata-se de garantia oferecida aos eleitores, ao povo brasileiro, de que seus representantes poderão falar aquilo que desejarem. A garantia é mesmo inerente à democracia e está inserida nas Constituições modernas da grande maioria das nações ocidentais desde a Revolução Gloriosa de 1688 na Inglaterra, constando na Constituição americana desde 1787 e, na francesa, desde 1791.

Tal garantia constitui a chamada "imunidade material", ou, mais simplesmente, como o preferem os ingleses, Freedom of speech. Graças a ela, assegura-se a inviolabilidade dos mandatos e a chance de os parlamentares realizarem denúncias, sustentarem publicamente suspeições, acusarem os governantes ou quem mais desejem, com ou sem razão, com ou sem provas, de boa ou má-fé. A "imunidade formal" (ou Freedom from arrest), por outro lado, protege os parlamentares contra prisões arbitrárias e processos tendenciosos e é, apenas, uma conseqüência da primeira. Isto nada tem a ver - como, infelizmente, se tornou comum no Congresso Nacional - com medidas que obstaculizem a Justiça diante da necessária persecução aos acusados por crimes comuns.

Não fosse assim, não seria possível a atividade de oposição. A simples suspeita de corrupção contra um membro do governo, tornada pública, terminaria, invariavelmente, em processos criminais ou em ações cíveis por reparação de dano. Por isso, porque temos democracia, escolhemos parlamentares, sabendo que eles podem chamar o governante de "ladrão" em nosso nome.

Bem, mas e a casa da governadora não é uma "questão privada"? A casa, por certo, mas não seu valor ou a forma como foi comprada. Informações a respeito do patrimônio dos políticos e de seus familiares deveriam ser obrigatoriamente públicas. Elas interessam, e muito, porque podem oferecer elementos decisivos para identificar os ladrões que elegemos, sem o saber.

A questão é política, evidentemente, como tudo o que diz respeito à vida pública, embora não deva ser partidária, porque políticos ladrões não escolhem siglas, mas o erário e PSDB e PT sabem muito bem disso. A governadora tem o direito e o dever de sanar quaisquer dúvidas a respeito de seu patrimônio - e, por certo, saberá fazê-lo. Recorrer à Justiça contra quem lhe cobra estas providências, entretanto, assinala apenas desprezo pela democracia.

*Jornalista

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