sexta-feira, 18 de abril de 2008

Artigo - A efetividade da lei n. 11.343/2006

Sempre que se promulga uma nova lei, o discurso daqueles que exercem a atividade legislativa é uníssono em asseverar que daí em diante o País terá condições próprias para erradicar seus males ou corrigir rumos. No entanto, o quadro real demonstra que a produção legislativa em larga escala não tem alcançado o fim desejado, encerrando apenas um simbolismo, já que a edição de normas não é seguida do devido cumprimento destas pelo poder público.

Na esfera penal, é certo que as leis por si só não são capazes de intimidar as pessoas para que deixem de cometer crimes de homicídio, roubo, tráfico de drogas etc. Aqueles que defendem que a legislação é suficiente para conter as diferentes motivações humanas professam sofismas, utopias. Se fosse diferente, a lei de crimes hediondos teria reduzido sensivelmente os índices de criminalidade e, as Ordenações Filipinas, a mercancia de substâncias psicotrópicas.

Especialmente em relação às drogas, a política de combate desenvolvida no Brasil é pouco eficaz. Vê-se que após editada a nova lei de drogas (n. 11.343/06) e adotado o modelo norte-americano de repressão ao tráfico (war on drugs) e terapêutico em relação ao usuário e dependente, não foram criadas as estruturas mínimas para a implementação dessas medidas. Exemplo disso é a falta de condições humanas e materiais (armamento sofisticado, serviço de inteligência e contra-inteligência etc.) das polícias para o enfrentamento do narcotraficante.

Inexistem condições mínimas para a aplicação do disposto na nova lei em relação ao usuário e dependente. Em vigor desde 8 de outubro de 2006, o legislador acertadamente não previu a pena privativa de liberdade para o usuário ou dependente de droga, mas sim a advertência sobre os efeitos nocivos da droga, a prestação de serviços à comunidade e o comparecimento a programa ou curso educativo. De igual maneira, trouxe a possibilidade do juiz determinar a submissão a tratamento especia­lizado e gratuito para a desintoxicação do infrator. Finalmente, reconheceu-se que o uso de droga é problema de saúde pública e não uma questão criminal.

Apesar do crescimento do uso de drogas e sua dependência, apenas 23% dos dependentes procuram tratamento (Ministério da Saúde, 2001). No entanto, a falta de comprometimento pessoal (evasões ou recaídas) impede a real adesão ao programa e sugere a seguinte indagação: qual a eficácia do tratamento psicossocial e farmacológico dispensado ao dependente?

Em vigor desde maio de 2002, a Resolução n. 101, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária disciplinou, por meio de regulamento técnico, as exigências mínimas para os serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso e abuso de substâncias psicoativas, notadamente as Comunidades Terapêuticas.

Atuando junto ao Conselho Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas do Estado de Goiás (2005/2007), elaboramos um levantamento preliminar sobre as instituições públicas, privadas e filantrópicas que prestavam esse tipo de atendimento e, para a surpresa de muitos conselheiros, algumas instituições sequer responderam aos questionários, alegando receio de que suas atividades fossem extintas, por falta de preenchimento dos requisitos ou outros motivos. Porém, ao contrário do alegado, os questionamentos procuravam levantar e corrigir as deficiências, buscando o apoio das autoridades competentes para o funcionamento adequado dessas entidades.

Como é sabido, essas entidades padecem em decorrência da falta de quadro técnico especializado (em regra, conduzidos por membros de comunidades religiosas ou por dependentes em recuperação), de programas de tratamento e de critérios e processos de avaliação dos processos e resultados obtidos.

As deficiências apontadas obstaculizam qualquer controle social. E, sem gestão estratégica e fiscalização dos investimentos de verbas públicas nessas instituições, o desperdício de dinheiro persistirá, assim como a ineficiência do tratamento dispensado aos pacientes.

Outro problema crucial é a falta de centros especializados no tratamento de crianças e adolescentes drogaditos. A inserção deles no mesmo local e programa terapêutico dos adultos impede a obtenção de qualquer resultado eficaz. A dependência nesses casos torna os adolescentes vulneráveis às ações de cooptação dos traficantes, que acabam fornecendo drogas diversas para eles em troca dos serviços prestados.

Acrescente-se a esse quadro a hedionda seletividade do sistema repressivo. Afinal, quando um jovem de classe média consome drogas, aplica-se sempre o estereótipo médico. No entanto, quando se trata de jovem pobre, o sistema deve atuar, em face do “risco” que ele representa ao próprio sistema (estereótipo criminal).

Conclui-se, portanto, que a falta de instituições públicas, privadas ou filantrópicas dificultam a aplicação do disposto na lei de drogas, transferindo para o dependente a responsabilidade de extirpar de sua vida a substância psicoativa.

Como o legislador já deu o primeiro passo, compete ao Poder Executivo e a nós — sociedade civil — reverter o quadro delineado, criando os mecanismos de efetivação e controle das medidas proclamadas. Caso contrário, a inércia acarretará, num futuro próximo, prejuízos ainda maiores para as crianças, adolescentes e nossas famílias.

Fernando Braga Viggiano
Promotor de Justiça em Goiás, mestre em Direito (UFG) – Área de concentração em Ciências Penais e membro da Conapa/MJ


Boletim IBCCRIM nº 183 - Fevereiro / 2008

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