quarta-feira, 26 de março de 2008

Falência das prisões

Brasil tem atualmente um déficit de mais de 100 mil vagas prisionais

Robson Sávio Reis Souza*
Filósofo, pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança (Crisp) da UFMG

Mais uma rebelião de presos chamou a atenção dos mineiros: ocorrida na cadeia pública de Ibirité, o levante sinaliza, mais uma vez, que o sistema prisional continua em crise. Não obstante os esforços de sucessivos governos, o enfrentamento do problema carcerário é um dilema para as políticas públicas de segurança, em todo o Brasil. Recentemente, um relatório internacional sobre violações dos direitos humanos no mundo, da organização não-governamental Human Rights Watch, informou que as prisões, no Brasil, são locais de tortura, intimidação e extorsão. Segundo o documento, os abusos policiais são justificados pelas autoridades, às vezes, como fato inevitável para combater taxas de crime muito elevadas. Ademais, as carceragens estão em condições subumanas, onde predomina a violência. Citando dados do Departamento Penitenciário Nacional, a entidade afirma que as prisões e as cadeias brasileiras tinham 419 mil presos em junho 2007, excedendo a capacidade do sistema em aproximadamente 200 mil presos. Nos primeiros quatro meses do ano passado, 651 pessoas foram mortas em unidades prisionais, de acordo com CPI que investiga as prisões brasileiras. Em agosto, 25 presos foram queimados durante um motim em Ponte Nova. Em setembro, detentos de uma prisão em Manaus amotinaram-se, matando dois homens. Na prisão Urso Branco, em Rondônia, um preso morreu e pelo menos sete ficaram feridos durante uma rebelião em julho. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em quatro ocasiões, desde 2002, requisitou ao Brasil a adoção de medidas para garantir a segurança dos presos.

Mas o problema da privação de liberdade não incomoda somente a sociedade brasileira. Há três semanas, um relatório do The Pew Center on the States, dos Estados Unidos, sobre as taxas de encarceramento nas prisões norte-americanas revelava que um em cada 100 adultos americanos está preso. Ratificando dados que sinalizam ser as prisões locais de grande segregação socioeconômica, quando se trata de homens negros, na faixa etária entre 20 e 34 anos, a taxa de encarceramento é de um para cada nove homens. Em todos os estados do país houve um aumento na taxa de prisões em 2007. Na Flórida, por exemplo, entre 1993 e 2007 a população prisional aumentou de 53 mil para 97 mil presos. Estima-se que existam 2,3 milhões de presos nos Estados Unidos, e o estudo ainda revela que as prisões e as cadeias requerem, cada vez mais, grandes equipes de funcionários altamente treinadas. Dado o crescimento exponencial da população prisional, o custo do sistema girou em torno de US$ 49 bilhões, no ano passado. Em 1987, o custo era de US$ 12 bilhões. Para 2011, dado o crescimento acelerado do número de presos, projeta-se um acréscimo de mais US$ 25 bilhões nas despesas com as prisões.

Voltando para o Brasil, com o incremento da criminalidade violenta nas últimas duas décadas e sem equacionar os dilemas carcerários, nossas prisões se transformaram em verdadeiras bombas-relógio. Cada vez mais superlotadas e sem oferecer qualquer condição de ressocialização dos detentos, o sistema prisional é altamente oneroso e ineficiente. O custo médio mensal de um preso no Brasil é de R$ 1,2 mil. Por sua vez, as taxas de reincidência dos ex-presos variam entre 50% a 80%. Ou seja, nosso sistema prisional é caro, ineficiente e não cumpre sua finalidade social. Portanto, insistir no erro, ou seja, na tese de que a ampliação do número de vagas prisionais resolverá o problema do aumento da criminalidade é o mesmo que dar um tiro no pé; ou, na pior das hipóteses, é má-fé daqueles que apregoam a exclusiva necessidade de tais medidas.

Uma solução adotada em alguns países, como no Reino Unido, por exemplo, é restringir as prisões para somente criminosos que oferecem risco à sociedade, ampliando a utilização de penas e medidas alternativas (à prisão), com rígido acompanhamento dos condenados pelo Estado e sociedade. Há um consenso entre os estudiosos de que as possibilidades de recuperação de quem cometeu um delito considerado leve são comprovadamente muito maiores quando o condenado não cumpre sua pena em regime fechado.

Além disso, as chances de a pessoa reincidir são menores – em torno de 12%. Outro fator positivo é que, embora a aplicação de penas e medidas alternativas, de acordo com a legislação vigente, não represente um esvaziamento imediato dos presídios, impede o agravamento da superpopulação carcerária. De acordo com o Ministério da Justiça, o Brasil tem atualmente um déficit de mais de 100 mil vagas prisionais. O governo gasta mais de US$ 1,5 bilhão por ano para manter a população carcerária, sendo que o custo mensal da manutenção do preso com uma pena alternativa gira em torno de R$ 70 por mês.



Fonte: Jornal Estado de Minas - Caderno Opinião - 24/3/08

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