sexta-feira, 14 de setembro de 2007

A pretensa hediondez: aspectos simbólicos e emergencial da legislação penal



Ao analisarmos o sistema jurídico, nos deparamos com algumas situações onde se constata aspectos simbólicos e emergenciais da legislação. É o caso da Lei dos crimes hediondos.

Entende-se simbólico, ou direito penal simbólico, “o uso do direito penal para fins políticos e eleitorais. É para acalmar a ira da população (e seu medo), diante do caos criado pela insegurança publica.”[1] “É legislação simbólica porque não é aprovada para resolver nossos verdadeiros problemas (nossos conflitos).”[2]

Alberto Silva Franco com clareza descreve que: “O controle penal desempenha uma função nitidamente simbólica. A intervenção penal não objetiva mais tutelar, com eficácia, os bens jurídicos considerados essenciais para a convivencialidade, mas apenas produzir um impacto tranqüilizador sobre o cidadão e sobre a opinião publica, acalmando os sentimentos, individual ou coletivo, de insegurança[3].”

A idéia de emergência esta ligada à de urgência e, num certo sentido, ao de crise do sistema. Chama a atenção quando surge algo repentinamente, desestabilizando o estado anterior, e colocando em perigo os padrões normais de comportamento e a conseqüente possibilidade de manutenção das estruturas[4]. “Neste sentido, a ela se atrela a necessidade de uma resposta pronta, imediata e que, substancialmente, deve durar enquanto o estado emergencial perdura.”[5]

Na fase da Lei de crimes hediondos “a função nitidamente instrumental do direito penal ingressa numa fase crepuscular cedendo passo à consideração de que o controle penal desempenha uma função puramente simbólica.”[6] A criminalização dos crimes denominados hediondos veio a lume com o advento da Constituição Federal em seu art. 5.º, XLIII. Vê-se que o “legislador constituinte de 1988 sinalizou que deveríamos contar com uma legislação mais severa em relação aos crimes hediondos (que devem ser definidos em lei) e equiparados (trafico, terrorismo e tortura).”[7]

O mais importante era “apenas acalmar a coletiva amedrontada, dando lhe a nítida impressão de que o legislador estava atento à problemática da criminalidade violenta e oferecia, com presteza, meios penais cada vez mais radicais para sua superação.”[8] Assim o legislador ordinário vem cumprindo esse mandamento constitucional e periodicamente cuida do assunto, posto que em 1990 foi aprovada a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90). Posteriormente em 1994 foi aprovada a Lei 8.930/94 e em 1998 foi inserido a Lei 9.695/98. E hodiernamente os crimes hediondos estão inseridos no art. 1.º, no § único e no art.2.º da Lei 8.072/90. Portanto, “cedo se comprovou a inutilidade da Lei dos crimes hediondos e seu efeito meramente simbólico tornou-se transparente. Amiudaram os fatos criminosos etiquetados como hediondos e a aplicação da lei revelou-se frustrante.”[9]

Observa-se que a Lei de Crimes Hediondos veio em decorrência da emergência, da crise, da proliferação da criminalidade e para contentar a parcela insatisfeita da sociedade, com especial enfoque as elites dominantes e a mídia, buscando com urgência acalmar a ira da sociedade que desacredita da justiça penal, suprindo seus anseios e se socorrer através da Lei de Crimes Hediondos, ai sim se vê que a Lei 8.072/90, foi e continua sendo marcada por duas características, conhecidas como simbolismo e emergência. Não se deixa de advertir também que como decorrência da lei de crimes hediondos, a cada emprego simbólico do sistema repressivo há uma sensível invasão na seara dos direitos fundamentais, embora formalmente eles continuem presentes nos ordenamentos.

O que busca a Lei de Crimes Hediondos é mostrar “serviço” e a aparente dureza da penas para a população, devido à situação critica que vive a sociedade, que anda revoltada com os altos índices de violência, portanto este aspecto somente é simbólico, que conduz a uma política criminal ilusionista, devido que com a criação da referida lei, de modo emergencial, e com a punição mais severa, entre elas, o aumentos de pena, diminuições de benefícios, vedações de direitos, entre outros, não se esta resolvendo e sim “tapando o sol com a peneira” não dando deste modo a verdadeira solução ao problema base. Posto que a melhor solução, entre outras, seria a obediência e cumprimento do art. 3.º e 5.º da Constituição da Republica Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1998.

Em 15 anos de vigência da lei dos crimes hediondos a criminalidade só aumentou. Estamos hoje pagando alto preço por essa política totalmente equivocada.

“A criminalidade que mais perturba a convivência social conta com raízes muito especificas (desagregação social, impunidade, falta de educação, lazer, emprego etc). Urge que as medidas sejam adequadas. Reformas sociais são muito mais eficazes que reformas penais.”[10]

“De uma vez por todas temos que proclamar: se mudanças nas leis penais fossem a solução para nosso gravíssimo problema de violência epidêmica já estaríamos vivendo num paraíso.”[11]

Nossos políticos e governantes precisam ser mais responsáveis nessa questão da violência epidêmica e da insegurança publica. Cuidar sempre dos efeitos da epidemia (e não as suas causas) conduz a uma política criminal ilusionista que combina a força simbólica do Direito Penal com a ingenuidade das vitimas (população que crê em tudo isso) e o poder mágico dos holofotes midiáticos para satisfação de interesses privados[12].

Notas:

[1] GOMES, Luiz Flávio. Ano de eleição: mais uma lei dos crimes hediondos?. O Estado do Paraná, Curitiba, 12 maio 2005. Direito e Justiça, Caderno 6, p. 9.

[2] GOMES, Luiz Flávio. Urgente revisão da Lei dos Crimes Hediondos. O Estado do Paraná, Curitiba, 22 ago. 2004. Direito e Justiça, Caderno 6, p. 1.

[3] FRANCO apud. ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 10

[4] Cf. CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo penal de emergência. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. p. 1-2.

[5] Ibid.. p. 2.

[6] ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. op. cit., 10.

[7] GOMES, Luiz Flávio. Ano de eleição: mais uma lei dos crimes hediondos?. O Estado do Paraná, Curitiba, 12 maio 2005. Direito e Justiça, Caderno 6, p. 9

[8] ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. op. cit., 11.

[9] Ibid.. p.11.

[10] GOMES, Luiz Flávio. Urgente revisão da Lei dos Crimes Hediondos. O Estado do Paraná, Curitiba, 22 ago. 2004. Direito e Justiça, Caderno 6, p. 1.

[11] Id. Ano de eleição: mais uma lei dos crimes hediondos?. O Estado do Paraná, Curitiba, 12 maio 2005. Direito e Justiça, Caderno 6, p. 9.

[12] Ibid.. p. 9.



Fonte: PRUDENTE, Neemias Moretti. A pretensa hediondez: aspectos simbólicos e emergencial da legislação penal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, ago. 2006. Seção doutrina, ano 3, n.º 190. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1460. Acesso em Acesso em: 14 set. 2007.



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